Apesar de São Tomé e Príncipe aparecer como um país atractivo nos cartazes turísticos, a verdade é que, para as populações locais, o dia-a-dia não é nada glamoroso. A começar, muitas vezes, na falta de comida. Estimativas recentes do Banco Mundial mostram que cerca de um terço da população vive com menos de 1,89 euros por dia, o que está abaixo da linha de pobreza. É na Paróquia das Neves que vamos encontrar a Irmã Lúcia, a religiosa portuguesa cujo trabalho notável junto dos mais necessitados, idosos, jovens e crianças não passou despercebido aos inquilinos do Palácio de Belém. “Eu vim parar a São Tomé e Príncipe porque tive sempre muita paixão pelos mais pobres e os mais necessitados, sempre trabalhei com crianças pobres, crianças necessitadas e depois pedi para vir para a missão… era só para fazer uma experiência de dois anos. Mas estou aqui há 23…”
Vinte três anos marcados pelo serviço ao próximo numa terra onde faltam muitos recursos básicos que a Igreja tenta suprir de alguma forma. As Irmãs Franciscanas estão presentes em São Tomé em Príncipe há seis décadas e em 1998 criaram a Comunidade no Distrito de Lembá, Paróquia de Nossa Senhora das Neves, onde está a portuguesa Lúcia Cândido. Em entrevista à Fundação AIS, esta religiosa, que em 2015 recebeu a insígnia de Grande-Oficial da Ordem do Mérito, por decisão de Cavaco Silva, então presidente da República, descreve a obra que a Igreja desenvolve nesta cidade das Neves. “O projecto integrado de Lembá neste momento envolve cerca de 3 mil pessoas desde carpintaria, que é auto-sustentável, costura, que é auto-sustentável, a informática que está quase a ser auto-sustentável, e depois tem crianças desde os 3 meses até à sexta classe, que tem 1800 [crianças] e depois temos duas turmas de jovens já com cursos profissionais que serão o futuro para que eles também possam depois ter o seu próprio emprego…” Há uma quase obsessão na Irmã Lúcia pelos jovens, pelo futuro dos jovens. Quando se pergunta qual é o maior desafio do seu trabalho em São Tome e Príncipe, a irmã responde logo: “Tenho muitos desafios, mas o maior é educação, tanto de crianças como de jovens”.
Em São Tomé e Príncipe pode haver poucos recursos, mas com as irmãs ninguém ficará sem comida no prato. “Temos o lar de idosos, a parte social, em que há 20 idosos internos, 35 vêm buscar comida todos os dias, vamos levar 35 almoços para as roças todas, vamos todos os meses levar um cabaz a 150 idosos, e depois temos um refeitório social em que as pessoas pagam 10 dobras, que são cerca de 5 cêntimos, para vir comer…” Como é que a Irmã Lúcia consegue, aos 61 anos de idade, ser tão inspiradora, tão capaz de mobilizar vontades, de construir projectos, dar vida a ideias, tirar pessoas da quase indigência? A resposta é simples e desarmante. “Não sei. Só por amor a Deus… Amor a Deus, amor ao próximo, amor ao outro. Hoje, eu acredito que a fé e o amor ajudam muita gente.” Mas nem sempre o discurso desta mulher que nasceu no dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas é optimista. Este ano, em Março, chuvas torrenciais deixaram um rasto impressionante de destruição. Uma situação que é cíclica. Sempre que isso acontece, as populações ficam quase isoladas. “Esta gente é pobre e fica ainda mais pobre”, descreve a irmã que sabe, como poucos, ser sinal da misericórdia de Deus na terra dos homens. Como consegue? “Há alguma coisa dentro de mim que eu também não consigo explicar que é a fé que eu tenho em Deus. Tenho muita fé que Deus está sempre presente e quando nós nos empenhamos com amor, com carinho, a fazer o bem, a ajudar os outros, Deus nunca falha.”