Shiraz e Koko são o retrato da Síria nos dias de hoje. Estão envelhecidos, têm o olhar gasto, sem brilho, e é só em fotografias antigas que conseguem o conforto de memórias felizes. Tudo à volta deste casal surdo-mudo parece estar a ruir. Ele chama-se Koko, chegou a ter uma oficina de automóveis, muito trabalho. Tudo isso acabou com a guerra, com as cidades assaltadas por combates ferozes. Nem Koko nem a mulher, Shiraz, souberam alguma vez como a explosão das bombas pode ser tão assustadora. Talvez nunca na vida tenham apreciado tanto não conseguirem ouvir. Mas sentiram tudo na mesma. “Durante a guerra, costumávamos sentir as vibrações no chão e os abalos, sempre que havia bombardeamentos. Os nossos filhos diziam-nos o que estava a acontecer e conduziam-nos por caminhos mais seguros sempre que tínhamos de fugir”, explica Koko, substituindo as palavras por gestos, como se a língua estivesse na ponta dos seus dedos. A guerra destruiu parte do bairro onde moravam, destruiu muitas das cidades, deixou o país em ruínas. Mesmo as casas que não foram destruídas são habitadas hoje por pessoas inconsoladas. É difícil sobreviver assim, quando tudo à volta parece falhar, quando falta o pão à mesa, quando não há trabalho, quando os sonhos se tornam impossíveis. Koko e Shiraz sobreviveram à guerra, mas agora têm de aprender a sobreviver às dificuldades do dia-a-dia. E são tantas… “Durante a guerra, a nossa situação financeira deteriorou-se muito. Antes da guerra, eu tinha a minha própria oficina. Actualmente, trabalho num restaurante a lavar pratos, mas devido à inflação não posso sequer comprar comida com o meu pequeno salário. Assim, a maioria das vezes trago sobras do restaurante…” Koko parece resignado com a volta que a vida lhe deu. Shiraz mostra talvez outra energia. A desventura da vida ainda não a venceu por completo. A falta de recursos levou-a a pedir trabalho num atelier de costura. É aí que amealha algumas das migalhas que vão ajudar a compor o orçamento da família.
Mas nada seria possível sem a ajuda da Igreja. “Graças aos benfeitores da AIS recebemos ajuda da nossa paróquia com cupões de alimentos, que nos ajudam com as necessidades diárias. Sem a ajuda da AIS, teríamos acabado numa situação miserável”, diz ela, gesticulando as palavras. Os cupões da paróquia substituem o dinheiro que não têm. É a solidariedade invisível a fazer o seu caminho. Alguém dá, alguém recebe. Os cupões, que a Igreja distribui hoje na Síria graças à generosidade dos benfeitores da Fundação AIS, ajudam a esquecer os dias terríveis em que a terra era sacudida pelas bombas, em que as cidades estavam sitiadas pela guerra e em que não havia praticamente nada para ninguém. Nem comida. “Devido às dificuldades e aos horrores da guerra, perdi muito peso”, diz Koko, mostrando uma fotografia a cores do tempo em que ainda sorria com prazer. “Havia muitos dias em que não comia para deixar a comida para os nossos filhos, a fim de que não passassem fome.” Esse tempo já passou. O futuro continua incerto, mas, como dizem os dois à Fundação AIS, é preciso acreditar. “Também estamos muito felizes porque a nossa paróquia cuida da educação dos nossos filhos. E estamos eternamente gratos ao nosso padre, que nos reúne para enriquecer a nossa vida espiritual e nos aproximar mais de Deus.” Agradecem tudo o que têm recebido, pois é com isso, com essa solidariedade que chega da Igreja e de tantos lugares do mundo, que eles têm conseguido viver “com dignidade”. E como é importante viver com dignidade…